Serviço de toilette – Destaque em Dezembro 2020

Serviço de toilette Leitão & Irmão

Casa Leitão & Irmão (ativo desde 1822)

 

Exposto no segundo andar do Museu, no que foi o quarto dos donos da casa, encontra-se sobre uma cómoda portuguesa, um serviço de toilette em prata da casa Leitão & Irmão, que pertenceu a Margarida de Medeiros e Almeida.

Margarida de Medeiros e Almeida

Margarida Rita de Jesus da Santíssima Trindade de Castel Branco Ferreira Pinto Basto nasceu em Lisboa a 5 de junho de 1898, descendente por lado materno dos Condes de Pombeiro e por lado paterno dos donos da Fábrica de Porcelanas da Vista Alegre, fundada pelo seu bisavô em 1824 e da qual o seu pai, João Teodoro Ferreira Pinto Basto (1870-1953), era à época, presidente.

Por volta de 1922, Margarida fica noiva de António de Medeiros e Almeida (1895-1986), jovem de espírito empreendedor que entretanto tinha abandonado o curso de medicina em Coimbra para viajar para Berlim e formar-se na área dos negócios, aposta que se revelará frutífera e que o leva, com o passar dos anos, a transformar-se num dos grandes empresários portugueses.

Com o noivo de regresso a Lisboa o casal contrai matrimónio a 23 de junho de 1924 na capela da casa da noiva, na Rua de São Marçal em Lisboa e, para assombro de todos, parte para viagem de núpcias, num dos carros desportivos do noivo, trajados a rigor com fatos de automobilistas, rumo à Quinta de Fôja na Figueira da Foz.

 

A primeira residência dos Medeiros e Almeida foi na rua do Salitre mas, com a consolidação dos negócios, adquirem em 1943 um palacete na rua Mouzinho da Silveira onde se instalam após demoradas obras de remodelação. Como o próprio Medeiros e Almeida escreveu anos mais tarde, foi o cuidado na decoração desta casa que formou o gérmen da futura coleção que hoje em dia conforma o espólio do Museu Medeiros e Almeida.

 

Cultos e com a capacidade para levar uma vida desafogada, o casal frequenta o teatro, a ópera, visita museus e viaja dentro e fora de Portugal, sendo frequentes as estadias em Paris e Londres, mas também as viagens para outras cidades europeias,  a Marrocos ou aos Estados Unidos, viagens estas não só de negócios, mas muitas vezes destinadas a visitar exposições e antiquários ou a assistir a espetáculos variados, leilões e feiras de arte. De natureza mais sociável, em Portugal é Margarida a responsável por grande parte da vida social do casal, transformando a sua casa em lugar de reunião para a extensa família e organizando os convívios.

 

Embora a grande figura por trás do museu tenha sido, sem dúvida, o seu fundador António Medeiros e Almeida, não podemos esquecer o papel que a sua mulher, Margarida teve também na formação desta rica coleção, acompanhando-o em grande parte das suas viagens e estando ao seu lado em múltiplas aparições públicas – como disso são prova a entrevista para a revista Town & Country (1952), ou a sua presença no programa dedicado ao Ritz, realizado pelo conhecido programa da televisão americana “60 Minutes” em 1971.

É ainda visível o seu papel no que diz respeito à parte mais “familiar” da coleção, como é o caso de muitas das peças da Vista Alegre, de algumas das joias ou de algumas das peças mais íntimas, nomeadamente o serviço de toilette que nos ocupa.

A 25 de junho de 1971, aos 73 anos, Margarida Medeiros e Almeida morre subitamente, poucos meses depois da mudança do casal para uma nova vivenda contígua ao museu, na Rua Rosa Araújo. Esta mudança deveu-se a permitir a adaptação da sua antiga residência a museu, não tendo Margarida podido participar plenamente no projeto de doação da coleção privada ao país e constituição de uma casa-museu.

 

 

A Casa Leitão & Irmão

A história da Casa Leitão & Irmão remonta ao ano de 1822, quando José Pinto Leitão (1798-1866), após submissão com êxito ao exame de ourives do ouro na Confraria de Santo Elói e registo da sua punção (JPL), abre o seu negócio na Rua das Flores, rua nobre na cidade do Porto com luxosos palacetes e estabelecimentos diversos, entre os quais se destacam os de ourives e comerciantes de ouro e joias. A loja é a típica loja-oficina da época, onde o trabalho era realizado à vista do cliente, sendo dedicada fundamentalmente ao fabrico de ourivesaria popular nortenha, muito ligada à filigrana. Em 1837, José Pinto Leitão casa com Maria Delfina, filha única de José Teixeira da Trindade, união que se demostrará importante no desenvolvimento do negócio dadas as ligações do sogro à ourivesaria e ao comércio com o Brasil.

 

Em 1873 José Pinto Leitão é sucedido pelos seus filhos, Narcizo Tomás Pinto Leitão e Olindo José Trindade Pinto Leitão, responsáveis pela atual designação da Leitão & Irmão e impulsionadores da modernização e internacionalização da firma. Por essa altura D. Pedro, Imperador do Brasil, outorga à Leitão & Irmão o título de “Ourives da Casa Imperial do Brasil”. Em 1877 os irmãos abrem um requintado estabelecimento na capital, no Largo do Loreto (atual Largo do Chiado), acontecimento mencionado na edição de 7 de abril do Diário de Notícias que descreve a “…magneficiencia d’aquelle estabelecimento”.

Esta nova localização coincidirá não só com uma maior aproximação à corte, como também com o posicionamento da Leitão & Irmão como agente fundamental da renovação da ourivesaria portuguesa da segunda metade do século XIX. Nesta alltura, a firma desenvolveu um programa de colaboração com artistas de outras áreas (como Rafael e Columbano Bordalo Pinheiro ou o escultor João da Silva), estabeleceu relações no estrangeiro de onde importaram maquinaria e novas técnicas, fundou  filiais em Paris (a Pinto & Braga, posteriormente Pinto Braga & Cia.) e Londres (a Pinto Leite e Sobrinhos) e apostou ainda na formação de excelência dos seus ourives bem como na divulgação dos seus trabalhos através de catálogos e da publicação em revistas.

Com motivo do casamento real do príncipe Dom Carlos com a princesa D. Amélia, em 22 de Maio de 1886, a Casa Real encomenda uma série de peças para presentear a noiva que foram objeto de grande reconhecimento, sendo que no ano seguinte é concedido por alvará régio de 23 de Dezembro o título de “Joalheiros da Coroa” à casa Leitão & Irmão, título que se perde com a instituição da República mas cuja punção continuará a ser usada em certas peças comemorativas.

Nesse mesmo ano de 1887 tinham sido instituídas em Portugal as Contrastarias, substituindo o controlo municipal do ofício da prata que doravante será exercido pela Casa da Moeda, e é registada na contrastaria de Lisboa, sob o número 34, a marca de fabricação da Leitão & Irmão (a figura feminina de uma esfinge a encimar a letra L), a mais antiga ainda em vigor e que testemunha a autenticidade das peças.

Ainda hoje em mãos da família que a criou e fez crescer, a casa Leitão & Irmão continua a ser uma das mais destacadas do panorama nacional, sinónimo de qualidade e refinamento, com três lojas na capital: a original do Chiado, uma loja no Bairro Alto contígua às oficinas e uma boutique no hotel Ritz Four Seasons, para além de uma loja no Estoril. A principal oficina continua a operar no palacete do Bairro Alto onde, em finais do século XIX, foi construída de raiz para instalar a mais moderna maquinaria e os grandes ourives que até então tinham as suas pequenas oficinas dispersas por toda a cidade, sendo que desde 1981 também se localizam aqui as oficinas de joalharia que originalmente estavam no primeiro andar da loja do Chiado.

Para o futuro, espera-se a celebração em 2022 dos 200 anos de história.

 

O Serviço de toilette de Margarida Medeiros e Almeida

Um serviço é, segundo as “Normas de Inventário de Ourivesaria” do Instituto dos Museus e da Conservação (IMC): “…um conjunto de objetos que obedecem a uma mesma unidade formal e decorativa”, podendo distinguir-se consoante o seu uso serviços de chá, de café, de escritório ou, como neste caso, serviços de toilette, entre outros. Um serviço de toilette é aquele formado por objetos destinados a assistir na higiene pessoal, existindo por isso uma ampla gama de peças que podem integrar este tipo de conjuntos, que variaram em parte conforme o proprietário do mesmo, o seu sexo, a época na qual foram realizados, etc.

 

 

O serviço de toilette da coleção é um conjunto de senhora, realizado no primeiro quartel do século XX, composto por doze peças em prata: espelho de mão, quatro escovas de diferentes tamanhos e feitios (para cabelo e limpa fatos), dois frascos para perfume, duas caixas – a mais pequena provavelmente para pós ou outros cosméticos e a maior, com fechadura, para guardar joias ou outros objetos de valor -, uma calçadeira, um gancho para auxiliar a atacoar os botins, e uma pequena salva de quatro pés.

De linhas muito simples, as peças têm maioritariamente as superfícies lisas apenas decoradas nos bordos com um friso cavado simples e um friso perlado, sendo que os cabos das escovas, do espelho, da calçadeira e da abotoadeira terminam numa semiesfera gomada rematada por uma conta. Os dois frascos têm o corpo em vidro gravado com motivos vegetalistas e a tampa forrada de prata lisa com decoração de perlados. Todas as peças têm gravado o monograma “M” de Margarida.

Para além do monograma todas as peças deste serviço apresentam as marcas próprias da prata, marcas que garantem a autenticidade e qualidade das mesmas e que nos permitem a datação e atribuição da autoria: o javali de Lisboa (usado entre 1887 e 1937), a marca da casa de fabrico Leitão & Irmão, a letra Z (correspondente ao ano de 1925) e o 1º título (termo adotado a partir de 1886 para indicar a fração de prata pura existente na liga e que veio a substituir a nomenclatura dada em dinheiro).

 

 

Esta tipologia de serviço de toilette corresponde a um modelo em uso da Leitão & Irmão que terá sido provavelmente manufaturado e personalizado com o monograma da futura proprietária sob encomenda – os desenhos do monograma constam no arquivo Leitão & Irmão, na atualidade em depósito na Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa.

Embora a tradição oral atribua este serviço à altura do casamento entre António e Margarida em junho de 1924, a verdade é que, embora a encomenda possa de facto ter sido realizada nessa altura, as marcas presentes indicam que a produção das peças será feita só meses mais tarde, já no ano de 1925.

 

Outros objetos de toilette da Leitão & Irmão na coleção

Ainda no quarto do casal encontramos uma pequena e elegante mesa-toucador, também da casa Leitão & Irmão, usada igualmente por Margarida Medeiros e Almeida nos cuidados de manicura.

O pequeno móvel, em pau-santo e espinheiro, apresenta forma de rim e assenta em quatro altas pernas e direitas unidas por trempe cruzada, com uma urna em prata ao centro.

 

           

 

 

 

Os ornamentos da fechadura, os sapatos e duas pequenas grinaldas que decoram o topo das pernas da frente são também em prata. Uma gaveta que acompanha a frente abaulada, forrada no interior a veludo borgonha, apresenta diversos compartimentos para os instrumentos de manicura  (tesoura, raspador, espátula, limas, polidor, caixinhas para pós de polimento, etc.). Todos os objetos são gravados com o monograma “M” em prata, inserido em reserva oval.

Em cima da mesinha, um espelho oval, suportado por uma armação, apresenta moldura em pau-santo e espinheiro e a mesma decoração de grinaldas de prata aplicadas, sendo rematado por  medalhão em flor com o monograma de Margarida gravado ao centro.

 

Segundo informações fornecidas por Jorge Van Zeller Leitão, atual proprietário da Leitão & Irmão, sexta geração desta prestigiada Casa, diferentes oficinas de marcenaria trabalhavam sob desenhos e encomenda da Leitão & Irmão, sendo que provavelmente a mesa-toucador da coleção do Museu e o espelho que com ela faz conjunto seriam uma encomenda personalizada para o cliente, tal como no caso do serviço de toilette.

Os pequenos elementos em prata apresentam as mesmas marcas encontradas no serviço de toilette.

 

Proveniência

Não existe nos arquivos da Casa-Museu qualquer documento referente à encomenda e compra do Serviço de Toilette ou da mesa-toucador e espelho. Porém, tal como referido, atendendo às marcas nos objetos e ao monograma neles gravado, podemos afirmar que se trata de uma encomenda de (ou para) Margarida Medeiros e Almeida à casa Leitão & Irmão, realizada na altura ou pouco tempo depois do casamento desta com António de Medeiros e Almeida, sendo que as peças foram terminadas apenas em 1925, tendo estado primeiramente na residência do casal na rua do Salitre e posteriormente, e até o presente, no palacete da rua Mouzinho da Silveira.

 

NOTA: A CMMA agradece a colaboração de Jorge Van Zeller Leitão, atual proprietário da Casa Leitão & Irmão, as valiosas informações disponibilizadas.

 

 

Samantha Coleman-Aller

Casa-Museu Medeiros e Almeida

 

 

NOTA: A investigação é um trabalho permanentemente em curso. Caso tenha alguma informação ou queira colocar alguma questão a propósito deste texto, por favor contacte-nos através do correio eletrónico: info@casa-museumedeirosealmeida.pt

 

 

Bibliografia

AA.VV.; Normas de Inventario – Ourivesaria, Lisboa: Instituto dos Museus e da Conservação, 2011

COSTA, Filomena; Leitão e Irmão – Antigos Joalheiros da Coroa, Lisboa. Câmara Municipal de Lisboa, 2001

MARANHAS, Teresa Maria Chaves da Luz; A Coleção da Casa Leitão & Irmão no Acervo do Palácio Nacional da Ajuda, Porto, Centro de Investigação em Ciências e Tecnologias das Artes da Universidade Católica Portuguesa, Universidade Católica Portuguesa, 2009

MAYER, Maria de Ornelas Bruges de Lima, Casa-Museu Medeiros e Almeida: o projeto de um homem. De coleção privada a acervo público, Dissertação de Mestrado em Museologia, FCSH, Universidade Nova de Lisboa, 2016

PINTO, Lurdes Maria Neves Marques; A Leitão & Irmão (1877-1897) e as Joias da Família Real Portuguesa, Dissertação de Mestrado (História – História Moderna e Contemporânea), Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2014

VIDAL, Manuel Gonçalves e ALMEIDA, Fernando Moitinho de, Marcas de Contrastes e Ourives Portugueses, Vol. II (1887 a 1993), Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1974

VILAÇA, Teresa de Seabra Cancela (coord.); Um Tesouro na Cidade, Lisboa, Fundação Medeiros e Almeida, 2002

Webgrafia

Leitão & Irmão – https://www.leitao-irmao.com/

“Leitão & Irmão. Ourives que são “cronistas de Portugal” há 200 anos”, Rádio Observador – https://youtu.be/_hbsmJoFoH4 

Autor

Casa Leitão & Irmão Fundada 1822

Data

1925

Local, País

Lisboa, Portugal

Materiais

Prata, vidro, madeira, (outros)

Dimensões

Variadas Mesa-toucador: Alt. 72cm x Larg. 47,5cm

Category
Destaque