Cómoda Luís XV
Da coleção de mobiliário francês do acervo, destaca-se esta magnífica cómoda exposta no Salão D da ala antiga do Museu, correspondente à área habitada pelos donos da casa. Era neste salão que o casal Medeiros e Almeida reunia a família e a sociedade lisboeta em dias de festejos familiares e em ocasiões institucionais ou profissionais.
A peça de mobiliário atribuída ao ebanista francês Pierre Roussel (1723-1782) tem estrutura de madeira de carvalho, divide-se em duas gavetas, é revestida em três faces a vernis Martin de fundo escuro com decoração em policromia e com aplicação de bronzes dourados formando entrelaçados e as pegas do móvel. Frente e lados (ilhargas) ligeiramente abaulados, a gaveta inferior com o avental recortado, o tampo de mármore castanho com veios brancos, rosados e violáceos faz o recorte do móvel. A cómoda não se encontra estampilhada.
Nascido em 1723, Pierre Roussel fazia parte de uma família de ebanistas e marceneiros que se notabilizou em Paris durante o século XVIII. Ainda muito jovem, com apenas 22 anos, estabeleceu-se na rue de Charenton. As encomendas de móveis feitas por Louis-Joseph de Bourbon, príncipe de Condé, para o seu palácio parisiense, assim como para o castelo de Chantilly, granjearam-lhe grande reconhecimento, tornando-se um ebanista de prestígio.
Mestre, em 1745, Roussel produziu dezenas de móveis, a maioria dos quais folheados e marchetados com madeiras exóticas, tendo produzido também numa fase inicial da sua carreira, peças em vernis Martin, um tipo de acabamento que pretendia imitar a laca oriental.
Usada na decoração de móveis, painéis murais, carruagens e objetos de luxo, esta técnica que consistia no uso de várias camadas de verniz pigmentado que eram polidas até obter um acabamento brilhante e colorido em ricos tons de verde, vermelho, preto ou dourado, teve o seu período áureo na primeira metade do século XVIII, quando foi aperfeiçoada pelos irmãos Martin (especialmente Guillaume e Étienne-Simon Martin), pintores – envernizadores franceses. Essa técnica atingiu um elevado grau de qualidade, permitindo-lhe “substituir” com sucesso os caros painéis importados de laca oriental, tornando-se por isso muito popular. Consequentemente, a gramática decorativa veio refletir o gosto muito popular à época da chinoiserie, de tal modo que os artistas europeus se encarregaram de criar desenhos de feição oriental, como é o caso da decoração desta cómoda.

A decoração da cómoda em “chinoiseries” remete para o universo chinês, ostentando na frente, em fundo de paisagem pretensamente chinesa com árvores, montanhas rochosas, cursos de água, pontes e outras arquiteturas, envoltos numa rocalha de bronzes dourados, dois grupos de personagens vestidos “à oriental”, que representam alegoricamente dois elementos; o Fogo e a Terra, segundo desenhos executados pelo famoso pintor, gravador e desenhador do rococó francês François Boucher (1703-1770), editados em 1740 por Pierre Aveline, que Pierre Roussel aqui reproduziu em posição invertida.
O conjunto Fogo e Terra faz-nos pensar em que poderá existir (ter existido) o par desta cómoda decorada com os outros dois elementos: o Ar e a Água.


A decoração é ainda realçada pelo contraste da aplicação de bronzes rocaille, com concheados e volutas, dourados e cinzelados sobre o negro, que dividem o espaço em três cartelas, como era característico de Pierre Roussel. Um filete de bronze disfarça as juntas do móvel, revelando a qualidade técnica do acabamento. Embora não estampilhado, este exemplar aproxima-se formalmente de outros produzidos pelo artista, em particular no que respeita à execução dos bronzes.
A morte do ebanista, ocorrida aos 59 anos, não impediu que a sua oficina perdurasse, uma vez que os seus filhos Pierre-Michel e Pierre II (o Jovem), assim como a viúva, prosseguiram com o negócio (usando a mesma estampilha), continuando a fornecer móveis, nomeadamente para o príncipe de Condé e, através deste, para a corte.
Proveniência:
O antiquário Fausto de Albuquerque adquiriu a cómoda à Galerie Maurice Chalom (38, Faubourg St. Honoré), Paris, a 29 de Novembro de 1946, por FFR 1.200.000.
A cómoda esteve exposta no antiquário de Fausto de Albuquerque (R. Nova da Trindade, nº1 C) em Lisboa, como atribuída ao marceneiro Pierre Roussel e como tendo pertencido: “… ao catálogo Rotschild” in: notícia Diário Popular, de 20 de Agosto de 1947), onde foi adquirida por Medeiros e Almeida por 219.600$00 (escudos).
Este jornal dava conta da entrada e venda deste móvel em Portugal, escrevendo com singulares comentários: “Encontra-se em Lisboa uma cómoda assinada pelo ‘Stradivarius’ do móvel; Pierre Roussel (…) um móvel que não tem prata nem ouro e vale o preço de uma herdade completa, com vacas e tudo (…) a cómoda Luís XV, ‘puro sangue’, que vimos ontem e nos pareceu roubada ao boudoir da marquesa de Pompadour (…) Contentamo-nos em saber que o património artístico português subiu um ponto…”.
Atrib. Pierre Roussel (1723-1782)
1745-1782
Paris, França
Esqueleto de carvalho, vernis-Martin, bronze dourado e mármore
Alt 91,2cm x Larg. 142,3cm x Comp. 63,5cm
FMA 343