Tapeçaria ‘O Triunfo de Baco’

Tapeçaria ‘O Triunfo de Baco’

Manufatura de Bruxelas – Atelier de Daniel Leyniers (Flandres 1669-1728) e Urbain Leyniers (Flandres, 1674-1747)

Cartão:  Augustin Coppens (Flandres, 1668-1740), c. 1717

Bruxelas, ca. 1720
Fio de lã (tingido e não tingido), fio de seda e fita de ouro

Alt. 350cm. x Larg. 455cm

Tapeçaria retangular, de composição figurativa horizontal, representando o tema “O Triunfo de Baco”, pertencente à série “O Triunfo dos Deuses e das Deusas”. No centro do pano aparece Baco, com coroa de folhas de videira e levantando um copo com uvas, sentado no seu carro triunfal puxado por duas panteras e conduzido por um sátiro. À volta, em diferentes planos, podemos ver sátiros, bacantes e ninfas – figuras habituais no seu cortejo – bebendo e dançando.

 

Rematando a tapeçaria a toda a volta, uma moldura a vermelho e amarelo – que aparece cortada na parte inferior- constituída por faixas de composição geométrica e folhas estilizadas nos cantos, e encimada pelas armas da família de Lord Cobam.
A tapeçaria encontra-se assinada em baixo, à direita, podendo ler-se a bege sobre fundo castanho “D. LEYNIERS”, com o S invertido.

 

 

“Baco, sempre justo e sempre jovem”:

Baco, ou Dionísio como é mais comummente chamado no mundo grego, é habitualmente conhecido como o deus do vinho, da ebriedade e dos excessos de todo tipo; mas é também um deus ligado aos ciclos vitais, à ressurreição, à natureza e ao teatro. É um deus dual: amigável e justo, mas também capaz dos mais atrozes castigos em nome dessa justiça, como diria o poeta inglês Dryden “Bacchus, ever fair and ever young”.
As primeiras imagens do culto de Dionísio mostram um homem maduro, de barba e túnica. Porém, mais tarde, tal e como nesta tapeçaria, será representado como um jovem imberbe, de cabelo loiro, comprido e encaracolado, e quase sempre nu ou seminu. Os atributos pelos quais pode ser reconhecido – e com os que aparece aqui representado – são a pantera (às vezes um leão), o cântaro ou copo, uma coroa de folhas de videira, cachos de uvas e, em ocasiões, um tirso.

 

Embora a história de Baco varie segundo as fontes consultadas, uma síntese mais ou menos consensual poderia ser a seguinte: Baco é filho de Júpiter e Semele, filha do rei Cadmo de Tebas. Estando esta grávida do deus pede, influenciada pela ciumenta Juno, mulher de Júpiter, que este se lhe apresente em todo o seu esplendor. O deus tenta dissuadi-la, mas em vão, de modo que Semele, como mortal que era, não consegue suportar tal visão e cai fulminada. Júpiter resgata então o feto de seis meses de entre as cinzas de Semele, e mete-o na sua perna, onde terminará a gestação.

 

 

Quando nasce Baco, Júpiter, tentando afastá-lo da ira de Juno, pede a Mercúrio que o leve para ser criado junto do rei Atamante e da sua mulher Ino. Juno mata os filhos varões do casal, mas Baco salva-se por estar vestido de rapariga. É enviado então para Nisa, ilha de localização incerta, onde, junto das ninfas, começa o seu contacto com a dança e a música.

 

Baco, já adulto, percorrerá o mundo junto do seu leal companheiro Sileno e do seu séquito de bacantes e sátiros, ensinando o cultivo da vinha e será assim, que conquista a Índia sem derramar uma gota de sangue. Na sua volta triunfal – momento possivelmente representado nesta obra – tenta introduzir o seu culto, as famosas bacanais, na Grécia, mas foi contestado por alguns príncipes que temiam os transtornos e loucura a este associados.

 

Breve história da tapeçaria:

Sabemos, por pinturas murais e a decoração pictórica de algumas cerâmicas, que já na antiguidade se usavam tapeçarias. Provavelmente os vestígios materiais mais antigos de tapeçarias conhecidos são os encontrados no deserto de Tarim Basim (China), datadas do século III a.C.

 

Na Idade Média as tapeçarias eram destinadas principalmente a cobrir os muros de pedra dos castelos para manter o calor do interior e evitar as correntes de ar, pelo que as tapeçarias alcancem nessa época tamanhos enormes e se convertam no elemento de decoração mais destacado. Foram também objetos de ostentação usados nas grandes cerimónias públicas e, por serem muitas vezes tecidas com importantes quantidades de fio de ouro e de prata, transformaram-se também numa reserva de capital. Como não podia deixar de ser, as tapeçarias tiveram também um papel importante na imaginária religiosa, em 1025 houve um concilio em Arras no qual se decidiu promover uma serie de tapeçarias representando a vida de Cristo e dos Santos de modo a cultivar o povo iletrado.

 

Durante o século XIV a produção de tapeçarias começa a crescer em importância e a expandir-se pela Europa, desde a Alemanha ou Suíça, até à França e Flandres. Paris, Arras, Bruges e, nomeadamente, Bruxelas transformaram-se rapidamente nos principais centros de fabrico, porém, com as perseguições religiosas na Flandres do século XVI, muitos artistas emigraram surgindo toda uma série de pequenos centros espalhados por toda Europa: Nuremberga e Munique na Alemanha, Florença em Itália ou Mortlake na Inglaterra, entre outros.

 

Durante o século XVII as tapeçarias continuaram a ser um elemento fundamental nas cortes Europeias, sendo as peças de Bruxelas as mais prestigiadas, com grandes composições pictóricas de escala monumental e grande mestria no uso da cor. Em França, no fim do século XVII e inícios do século seguinte surge um novo estilo muito mais decorativo que rapidamente se transformará em moda. Porém, a partir de meados do século XVIII o uso de tapeçarias começa a decair, em parte pelo seu elevado custo, mas também pela instauração de um novo gosto pela pintura, os apainelados em madeira, os cortinados em seda e os papeis de parede, o que levará ao fecho de muitas oficinas, sendo que um dos poucos centros  nos quais a produção de tapeçaria continuou a florescer até o início de 1800 foi Madrid, onde, sob o patrocínio de Carlos III, a oficina de Santa Bárbara produziu cartões de género, dos quais os de Francisco de Goya são os mais marcantes.

 

Daniel e Urbain Leyniers:

A história da família Leyniers como fabricantes de tapeçarias de alta urdidura e como tintureiros dos fios empregados na produção destas tapeçarias em Bruxelas, remonta-se ao século XV.
A tapeçaria em estudo foi realizada nas oficinas de Daniel e Urbain Leyniers. Urbain Leyniers (1674-1747) tinha criado todo um monopólio à volta do tingimento de lã, chegando a vetar o negócio de outros tintureiros, o que foi considerado ilegal em 1710 levando ao fecho da sua oficina. Será então que Urbain e o seu irmão Daniel (1669-1747) começam uma parceria com o seu primo, Henry Reydams (que morrerá em 1719, continuando os dois irmãos o negócio), voltando assim a dedicar-se à manufatura de tapeçarias.

 

 

Algumas das temáticas que trataram com grande êxito foram as Vidas de Plutarco, Dom Quixote, as Fábulas de Ovídio, e o Triunfo dos Deuses e das Deusas. Uma primeira armação com esta última temática foi feita por volta de 1717, por encomenda do Conseil du Vieux Bourg de Gand, e constará de cinco tapeçarias com cartões de Jan Van Orley e Augustin Coppens: Marte, Minerva, Vénus, Apolo com as nove musas e Diana. Mais tarde esta armação será copiada várias vezes, incluindo em algumas das series outras três tapeçarias, entre as quais o Triunfo de Baco.

 

O rei D. João V encomendou no atelier dos irmãos Leyniers várias tapeçarias, algumas delas perdidas durante o terremoto de Lisboa de 1755 (como a série das alegorias) e outras, como o Triunfo de Marte e o Triunfo de Minerva, da série Triunfo dos Deuses e das Deusas que ainda se conservam no Palácio de Ajuda.
Daniel Leyniers IV (1705-1770), filho de Urbain Leyniers, continuará o negócio familiar, mas no inverno de 1768, sendo já uma das últimas manufaturas que se mantinha em ativo, é obrigado a fechar definitivamente .

 

As armas da família Cobham:

Quando o rei George I subiu ao trono em Inglaterra, atribui ao Marechal Sir Richard Temple (1675-1749), encomendador desta tapeçaria, vários títulos de nobreza: 1º barão Cobham em 1714 e, em 1718 visconde Cobham e barão Cobham  com menção especial.
Na parte central superior da tapeçaria, interrompendo a moldura, destacam-se as armas da família de Lord Cobham, constituídas por uma coroa no topo, um cavalo e um leão afrontados assegurando o brasão da família, e a divisa “Templa Quam Dilecta” (“que bonitos os templos”).
As divisas, ou motto, eram originalmente um grito de guerra ou slogan. Nos séculos XIV e XV começaram a ser incluídas nos brasões familiares, mas o seu uso não se generalizou até o século XVII, de modo que os brasões mais antigos não incluem, de maneira geral, um motto. Estas divisas raramente fazem parte da concessão de armas, normalmente o seu uso é opcional e podem ou não ser usadas ou modificadas.

 

 

Proveniência:

As armas que aparecem na parte superior da tapeçaria, e a datação da própria peça (ca.1720),  levam-nos a pensar que se trata de uma encomenda de (ou para) Sir Richard Temple, 1º visconde Cobham.

 

A 29 de Novembro de 1971 é adquirida ao antiquário Dario Boccara  (184, Faubourg St. Honoré, Paris) por Medeiros e Almeida, por FFR 120.000.

 

Samantha Coleman Aller
Casa-Museu Medeiros e Almeida

Artista

Manufactura de Bruxelas – Atelier de Daniel e Urbain Leyniers

Ano

1720

País

Bruxelas

Materiais

Fio de lã, de seda, de ouro e tela

Dimensões

Alt. 350cm x Larg 455cm

Category
Têxteis Flamengos