Secretária “Partner’s desk” – Destaque em Maio 2021

PEÇA EM DESTAQUE CMMA – Maio 2021

 

Secretária – partner’s desk

Atrb. John Gregory Crace (1809-1889)

Inglaterra, c.1863

Mogno, nogueira, ébano, pau-cetim, latão, couro

Comp. 256cm x Prof.147cm x Alt.78,5cm

 

O escritório de António Medeiros e Almeida recebe agora uma nova peça, a secretária de trabalho que o acompanhou desde 1946. Trata-se de uma secretária em madeira de mogno folheado a raiz de nogueira e pau-cetim, decorada por filetes de ébano e tampo revestido a couro, informalmente designada por partner’s desk.

 

Secretárias de biblioteca e escritório

Library table, pedestal table ou partner’s desk designam o mesmo tipo de móvel: uma secretária de biblioteca (library) de dimensões generosas, assente em dois corpos (pedestal) de gavetas ou prateleiras, com duas frentes, que podia ser usada por duas pessoas (partner’s) em simultâneo em idênticas condições de trabalho, conforto e status, sendo colocada afastada das paredes de uma sala.

Este tipo de móvel foi muito popular durante o século XIX em Inglaterra, tendo obtido grande sucesso entre banqueiros, advogados ou sócios (partner’s) de firmas que assim podiam trabalhar em conjunto. A sua vertente prática quotidiana (do séc. XIX) fez com que muitos dos exemplares que foram feitos e ainda hoje subsistem, apresentassem uma certa austeridade decorativa, embora usando materiais robustos como a madeira de mogno (a preferida) ou de carvalho, mas também, outras madeiras origem exótica para a execução dos folheados e embutidos.

O modelo no entanto, é bastante anterior existindo já no século XVII, conhecendo-se uma secretária deste tipo realizada por Simpson the Joiner, cerca de 1670 para Samuel Pepys (1633-1703), membro do Parlamento, presidente da Royal Society, almirante e famoso cronista. A secretária é actualmente parte de acervo da Bibliotheca Pepysiana (pode ver aqui https://www.magd.cam.ac.uk/pepys/researchers) no Magdalene College.

O desenvolvimento da sua popularidade entre os britânicos dá-se na segunda metade do século XVIII, através dos desenhos e modelos criados por Thomas Chippendale no Cabinetmaker’s Director (e por Robert Adam) de que ainda subsistem alguns exemplares, como a secretária feita por este ebanista para Nostell Priory em 1766 e que pode conhecer aqui: The Nostell Priory ‘large mahogany library table of very fine wood…the whole completely finish’d in the most elegant taste’ – 1766/7 959723 | National Trust Collections

Inicialmente, esta tipologia de secretária é usada nas casas aristocráticas fazendo parte do mobiliário da biblioteca ou escritório, sendo também muitas vezes uma peça de aparato dados os materiais e preocupação estética que a sua execução exigia, recorrendo os seus proprietários ao trabalho de marceneiros de renome. No século XIX, o seu uso “democratiza-se” passando das casas aristocráticas para os escritórios de bancos e posteriormente de empresas, evoluindo para um uso em contexto laboral, que se prolongou com grande sucesso até ao início do século XX, tendo-se tornado numa das peças de referência do mobiliário inglês.

 

A estrutura base constituída por dois corpos de gavetas formando um vão, unidos por um tampo, mantém-se inalterada ao longo do tempo, mas a organização dos espaços é variável em função das necessidades, tal como a decoração, que acompanha a evolução do gosto.

Os dois corpos onde assenta o tampo, normalmente são constituídos por seis gavetas iguais ou de dimensões diferenciadas, por portas (por vezes imitando a frente de gavetas) com interior em prateleiras ou com divisórias verticais para arquivo. O tampo é formado em geral, por três gavetas (podendo incluir no seu interior estirador para escrita) em cada uma das faces. Nas superfícies laterais poderão existir prateleiras para a colocação de livros. Os exemplares mais pequenos (e nesse caso apenas designados library table, só para uma pessoa) podiam apresentar uma das frentes fingida.

Os modelos decorativos podem ser simples ou elaborados, tal como as madeiras de que são feitos variáveis, tendo sido o mogno o preferido. O tampo quase sempre era forrado a couro e o verde a cor predilecta pelo contraste que fazia com a madeira, (embora o castanho também fosse usado) apresentando um emolduramento gravado a ouro.

Secretária do Museu

 

A secretária de António Medeiros e Almeida é um excelente exemplar de uma partner’s desk, dada a sua qualidade técnica e estética assim como, de materiais empregues que se revelam numa peça requintada.

Executada em mogno é folheada a pau-cetim realçado por filetes embutidos em ébano. O modelo é composto por três corpos: dois de gavetas e um tampo. Os cantos salientes são rematados por pilastras entalhadas em enrolamento, decoradas por folhas de acanto, assentando sobre rodapé.

A frente aparenta nove gavetas, no entanto na realidade, dois dos módulos têm porta com frentes de gavetas fingidas, sendo o interior um armário de arquivo com divisões verticais, os outros dois conjuntos de gavetas de dimensões variáveis e ainda o último de prateleiras. O tampo é revestido por couro castanho rematado por cercadura gravada a ouro. Os puxadores em latão, de forma circular, apresentam uma certa simplicidade com trevo de quatro folhas gravado.

A autoria desta peça mantém-se desconhecida uma vez que, não está marcada. A existência de um desenho pertença do espólio do Metropolitan Museum em Nova Iorque, permite, no entanto, fazer a aproximação a um modelo da autoria de John Gregory Crace (1809-1889).

 

Membro de uma das principais famílias de decoradores de interiores londrinos de meados do século XIX, John Gregory Crace dedicou-se ao desenho, decoração de interiores para a família real e aristocracia inglesas. Trabalhou em conjunto com Augustus Pugin tendo sobretudo produzido interiores de gosto neogótico.

A mesa de trabalho de António Medeiros e Almeida foi adquirida em 1946 no leilão dos herdeiros de Francis Cook, organizado pela casa Leiria e Nascimento em novembro de 1946.

Desaparecido em 1901, Francis Cook (1817-1901) um dos homens mais ricos de Inglaterra, cujos negócios se centravam na indústria têxtil, foi também um dos maiores coleccionadores de arte ingleses do século XIX.  Residente em Londres (Doughty House) adquire em 1856 a Quinta de Monserrate, em Sintra, para a tornar a sua residência de veraneio. Para recuperar o degradado edifício, recorre ao trabalho do arquitecto James Thomas Knowles que projecta um imóvel, de carácter neoárabe sobre as preexistências, tendo o interior sido decorado num gosto eclético característico da época. A secretária integrava o mobiliário do escritório de gosto neogótico, como é visível nas fotografias ainda existentes.

 

Com a morte de Francis Cook em 1901, Monserrate progressivamente perde importância para a família enquanto residência de verão. Por outro lado, o agravamento da situação financeira das empresas e o elevado custo de manutenção da propriedade, levou a que esta fosse posta à venda. Em 1946, o que subsistia de um riquíssimo recheio foi a leilão, suscitando o interesse de coleccionadores privados e directores de museus.

Medeiros e Almeida compra então vários lotes, perfazendo cerca de 50 peças, nos quais se encontra a secretária, uma panóplia de armas, um retábulo em alabastro representando a Paixão de Cristo, um tapete, esculturas, pintura…peças que hoje integram o acervo do Museu, com excepção do retábulo em alabastro, que foi vendido ao Estado por imposição governamental e que hoje faz parte das colecções do Museu Nacional de Arte Antiga.

No total despendeu 577.610$00 tendo a secretária sido adquirida por 170.500$00. Esta viria a converter-se na sua secretária de trabalho em diversos escritórios: inicialmente na rua Nova do Almada e na rua do Ouro quando administrou o grupo Bensaúde e posteriormente no escritório da sua empresa Sinaga, na rua Braamcamp. Após a sua morte, transitou para o edifício da Rua Mouzinho da Silveira 6, tendo permanecido nos gabinetes técnicos. Após restauro, integrou em 2017 a exposição Monserrate Revisitado – a colecção Cook em Portugal.

No regresso ao Museu em 2020, após depósito no referido palácio, foi exposta ao público no escritório, passando a integrar o percurso de visita, onde os visitantes podem apreciar o móvel que acompanhou uma vida de trabalho de António de Medeiros e Almeida. (ver vídeo final texto)

 

 

 

Nota: A CMMA agradece a colaboração da Professora Maria João Neto (FLUL), da Arquiteta Teresa Neto e da investigadora Megan Aldrich da Furniture History Society.

 

Cristina Carvalho

Casa-Museu Medeiros e Almeida

 

NOTA: A investigação é um trabalho permanentemente em curso. Caso tenha alguma informação ou queira colocar alguma questão a propósito deste texto, por favor contacte-nos através do correio eletrónico: info@casa-museumedeirosealmeida.pt

 

Bibliografia

Edwards, Ralph – Dictionary of English Furniture, vol. III. London: Country Life Limited, 1954.

Musgrave, Clifford – Regency Furniture1800 to 1830. London: Faber and Faber, 1961

Neto, Maria João – Monserrate A casa romântica de uma família inglesa. Lisboa, Caleidoscópio, 2015

Neto, Maria João (Coord.) – Monserrate Revisitado – a colecção Cook em Portugal. Lisboa: Caleidoscópio, 2017

Neto, Teresa – Cook’s Library in Monserrate Palace: Intersections of Contemporary Design with Precious Antiquities. In Claire Hendren, Barbara Jouves et Hadrien Viraben (dir.), Aménagement intérieur et cohabitation des styles aux époques moderne et contemporaine. Actes de la journée tenue à Paris le 19 mars 2018 à l’Institut National d’Histoire de l’Art, Paris, site de l’HICSA mis en ligne en novembre 2018.

Webgrafia

BIFMO British and Irish Furniture Makers Online – https://bifmo.history.ac.uk/entry/crace-edward-john-frederick-john-gregory-and-john-diblee-1768-1899

Magdalene College – https://www.magd.cam.ac.uk/pepys/researchers

V&A Museum Archives – https://archiveshub.jisc.ac.uk/search/archives/24d038ac-e869-3832-ae38-73c0c2a3e74c

DIA Dictionary of Irish Architects – https://www.dia.ie/architects/view/1283/CRACE%2C+JOHN+GREGORY+%2A%23

Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque –

https://www.metmuseum.org/art/collection/search/363497

https://www.metmuseum.org/art/collection/search/363529

National Trust, Nostel Priory –

http://www.nationaltrustcollections.org.uk/object/959723

British Museum – https://www.britishmuseum.org/collection/term/BIOG23922

Google Arts & Culture – https://artsandculture.google.com/entity/john-gregory-crace/m0407t85?categoryid=artist

Library bookcase design (Christie’s) – https://www.christies.com/en/lot/lot-5092504

“REGRESSO A CASA”

A secretária de trabalho de Medeiros e Almeida, foi emprestada em 2018, para uma exposição temporária no palácio de Monserrate, “Monserrate Revisitado A coleção Cook em Portugal”.

Após depósito de dois anos no palácio deMonserrate, a secretária regressa à Casa-Museu ficando exposta no escritório do museu pela primeira vez, enriquecendo assim o acervo da instituição.

 

Autor

Atb. John Gregory Crace (1809-1889)

Data

c.1863

Local, País

Inglaterra

Materiais

Mogno, nogueira, ébano, pau-cetim, latão, couro

Dimensões

Comp. 256cm x Prof.147cm x Alt.78,5cm

Category
Destaque