Realidade e Capricho

Realidade e Capricho

A pintura Flamenga e Holandesa da Casa-Museu

REALIDADE E CAPRICHO
A pintura Flamenga e Holandesa do Museu da Fundação Medeiros e Almeida

 

A Fundação Medeiros e Almeida tem na sua Casa-Museu um excelente núcleo de pintura flamenga e holandesa que agora se apresenta isoladamente de forma a incidir sobre ela uma nova leitura. Procura-se nesta mostra colocar esta parcela do acervo da Fundação numa relação directa com os modelos, as origens, os motivos e os movimentos artísticos que estiveram na origem da produção de cada uma dessas obras de arte.

 

Para além de uma cuidada apresentação museográfica, onde os aspectos mais modernos da conservação, da iluminação e do restauro são tidos em conta, a exposição é acompanhada de uma catálogo profusamente ilustrado e acompanhado de textos científicos que contemplam as novidades respeitantes às investigações no campo da História da Arte.

 

A pintura Flamenga e Holandesa caracteriza-se pela minúcia e detalhe de aspectos realistas tais que, muitas vezes, chegou a ser considerado o seu maior defeito. As palavras do memorialista português Francisco de Holanda, quando a compara com a pintura italiana, ilustram esta visão: “A pintura de Flandres, respondeu devagar o pintar, satisfará, senhoras, geralmente a qualquer devoto, mais que nenhuma de Itália, que nunca fará chorar uma só lágrima…Pintam na Flandres mais propriamente para enganar a vista exterior, ou coisas que vos alegram ou de que não possais dizer mal, assim como santos e profetas. O seu pintar é trapos, maçonerias, verduras de campo, sombras de árvores, e rios e fontes, a que a que chamam paisagens….” Neste pequeno trecho, Holanda resume categoricamente os vários aspectos da pintura do norte de Europa, ao mesmo tempo que inúmera os vários géneros pictóricos em que os artistas dos Países Baixos se vão especializar. Por um lado o detalhe, a reduzida escala das representações, tendente ao engano do olhar e por outro a pintura devocional, de um realismo tão cru que pode levar à comoção e ainda a especialização e capacidade de adaptação às necessidades da clientela sem causar embaraços de ordem nenhuma. Uma pintura respeitadora dos cânones sociais e religiosos. Depois os vários géneros e hierarquia impostos pelo sistema académico estão também aqui delineados: a pintura de história, com as vidas de Santos e Profetas, o retrato realista, a paisagem detalhada, e finalmente as naturezas-mortas que se constituem como património ancestral desta região da Europa. Acima de tudo, o que ressalta deste texto é o respeito que os pintores flamengos sempre cultivaram pelos caprichos da sua clientela. A vontade de possuir, dentro dos limites de um microcosmo, todo o universo, consubstanciado nas câmaras de maravilhas (Kunstkammer), que as sociedades economicamente superabundantes do Mar do Norte no século XVII desejavam, pode assim facilmente ser transferido para dentro da pintura. Se por um lado estes caprichos sublinham a transitoriedade da vida e a sua precariedade, por outro a pintura tentava prender ou fixar esses momentos fugazes.

 

A colecção de pintura Flamenga e Holandesa que Medeiros e Almeida reúne, embora não muito numerosa, tem exemplares suficientes para servir de guião a este sector da História da Arte. Desde a pintura de história com temas religiosos com uma Virgem do Leite do século XVI, o Cristo Coroado de Espinhos, uma composição de Mabuse do século XVI, e do XVII outra Virgem do Leite e santos da oficina de Rubens, um Bom Pastor e Um Cristo em casa do Fariseu de David Teniers II, passando pela pintura já de carácter leigo onde as questões fiduciárias estão evidenciadas no Cobrador de Impostos ou Advogado de aldeia de Pieter Brueghel II, até ao retrato com dois bons exemplares de António Moro, um representando Margarida de Parma, a governadora dos Países Baixos, e outro que agora se identifica como sendo o de Pedro Mendéndez de Avilés. Destaca-se ainda, no conjunto de retratos, o de Catarina de Bragança pintado por Jacob Huysmans por volta de 1664. O Retrato de Rembrandt é um belo documento para o entendimento do modos operandis da oficina do grande mestre holandês. Os horizontes neerlandeses foram captados com mestria incomparável por Jan Brueghel, o Velho, dito de Veludo pela suavidade da mancha do seu pincel, em paisagens que só poderão ser comparadas, já em meados do século XVII, com a pintura de Jan van Goyen estando ambos bem representados nas colecções da Medeiros e Almeida. De Brueghel existe uma bela paisagem intitulada A Paragem e de Van Goyen oito pinturas; cinco marinhas e três cenas campestres. Já de finais do século XVIII é um Divertimento no gelo e um Mercado de peixe de Aert van der Neer, o Jovem que termina a colecção de paisagens desta Fundação.

 

A natureza-morta e os floreiros funcionam com uma verdadeira colecção dentro da colecção, pela consistência com que formam um grupo. As alegorias eucarísticas de Seghers eram ornadas com profusa quantidade de flores e frutos de temática simbólica. A tulipomania, que fez eternizar várias espécies de tulipas e outras flores, serviu de base para composições que cobriram compartimentos, escaninhos e gavetas dos contadores holandeses. Estes móveis, que eram usados, muitas vezes, para guardar tesouros, tinham também funções de “cabinet de curiosidades” onde se custodiavam preciosidades. A raridade de bolbos de algumas espécies de tulipas justificava serem resguardadas como verdadeiros tesouros. A pintura que cobre as gavetas deste contadores, como o do Museu Medeiros e Almeida, poderia identificar as espécies que cada uma delas continha, como neste caso, os floreiros de Jan van Kessel II. A colecção de naturezas-mortas desta Fundação alarga-se ainda a nomes como Simon Peeterz Verelst, J. van Huysum e Jan Davidsz de Heem todos eles exímios pintores da natureza nos seus mais perfeitos detalhes onde a acção do tempo parece não ter causado nenhum dano.

Local

Sala de Exposições Temporárias

Data

25/11/2008 - 23/05/2009

Horário

13:00 - 17:30

Preço

Entrada Livre

Category
Exposições Temporárias