6 DE NOVEMBRO A 21 DE DEZEMBRO, 2018
PROLONGAMENTO DA EXPOSIÇÃO ATÉ 22 DEZEMBRO, Sábado
O que morreu morto está.
De amar vem a vida.
Não sei quem me diz, o quê?
Como? Onde ou quando?
Agora o amor não é nada? Ou é tudo?
Água? Fogo? Bem?
Mal? Vida? Morte?
O espaço de exposição na Casa Museu da Fundação Medeiros e Almeida é para mim um espaço de dupla representação. O que nas suas salas se expõe foi em tempos objecto dum vivido quotidiano que através de cuidadosa e saturada encenação museológica, afirma uma vida de sucesso. As obras de arte
compradas e coleccionadas por Medeiros e Almeida, para desfrute e certamente prestígio pessoal, são de seguida feitas colecção de arte, perpetuando esse sucesso no futuro.
Constituída por objectos, mobiliário, artefactos ou obras de arte de notável qualidade estética (qualidade que transcende a legitimação que sociedade da época lhe confere) desvendam um olhar que se deslumbra pela minúcia do detalhe, artifícios de execução, ambientes de excelência. Os relógios, os vasos em porcelana, as pratas, os biombos e contadores, que se continuam em objectos possuidores de um “estatuto”, como nas pinturas e esculturas de mestres de diferentes épocas, demonstram um olhar eclético, que se afirma na decisão e possibilidade de adquirir, expressando um espírito de coleccionador atento no alargar e completar as suas diversas colecções.
Esta casa foi habitada, mãos afagaram mesas e cadeiras, corpos se tocaram, livros foram abertos. A constatação dum espaço vivido, transformado posteriormente em espaço de exposição, levou-me a criar uma série de obras, num discurso autónomo. A sua colocação neste espaço confronta os possíveis percursos e as salas onde se encontram. O deambular do visitante vacila entre a impertinência dos objectos intrusos e a estabilidade dos consagrados. Num processo de comunhão interferente com a estabilidade da demonstração museológica manifesta-se assim um diálogo dependente intimamente do nosso olhar.
É esse dialogo que me fez pensar em Grünewald. A pintura de Matthias Grünewald (1470-1528) é extremamente expressiva e dramática, paradoxalmente teatral e por vezes estática. Usa a cor numa extensa paleta explorando fortes contrastes ou tonais acordos sendo tão expressivo nesta como no desenho. Nas cenas que representa encontro peças de um jogo em que as personagens criam uma encenação através de gestos e visões. Do “interior” da sua pintura surgem deambulações que não atingem directamente o espectador mas inevitavelmente o colocam como um elemento da imagem. Ao procurarmos perceber porque determinados olhares não se fixam no nosso é o que permite penetrar no
interior da pintura. Neste confronto com o olhar do outro procuramos perceber se este se fixa no nosso. Mas são os olhares laterais ou dissimulados que progressivamente conduzem aos “olhos nos olhos”. A suposição de que o próprio pintor se auto-retrata em diversas das suas obras (opiniões divergem pois
pouco se sabe sobre a vida de este artista) pode conduzir-nos a outro estado, ao do contacto com o pintor dentro da sua própria pintura. Recordo o livro “Do Natural, um poema elementar” de W.G. Sebald onde no primeiro poema da trilogia se aborda a vida e obra de Grünewald, desenvolvendo-se inesperadas situações.
A cara do desconhecido
Grünewald está sempre a aparecer na sua obra
Muito antes disso
já a dor passou para os quadros.
a degradação da vida prossegue
lentamente e entre o golpe
de vista e o levantar do pincel
A imersão no espaço do representado, seja qual for a técnica e suportes utilizados, acontece na íntima relação do olhar com aquilo que vê, para dentro e para fora do quadro.
Passar da pintura ao espaço onde ela se encontra é o movimento seguinte. O espaço de exposição é produto do cruzamento de olhares e sensações dum imaginado mundo paralelo que se descobre dentro e fora de uma pintura. É um espaço pictural gigante, pleno de detalhes onde se penetra no desconhecido
“caminho para o mundo que nenhum outro percorreu senão o homem
desaparecido sem deixar rasto.”
PEDRO CALAPEZ, OUTUBRO 2018
Sala de Exposições Temporárias
6 novembro - 21 Dezembro
2ª feira a sábado - 10h - 17h
Entrada Livre (só exposição temporária)