Guarnição de Chaminé, 1888

Guarnição de Chaminé, 1888

Garniture (grupo de objetos decorativos destinados a serem expostos em conjunto) em porcelana de Meissen com decoração polícroma e pormenores pintados a ouro sobre o vidrado, formada por um relógio de mesa e dois candelabros de nove lumes, assinada por Emmerich Andresen, chefe do departamento de escultura da fábrica de Meissen entre 1886 e 1902.

 

A Fábrica de Meissen

Desde o século XIII que a Europa importava porcelana da China, mas é a partir do século XVI, com a abertura da rota marítima pelos portugueses e o surgir de uma série de companhias especializadas no comércio entre a Europa e o Oriente – a mais destacada das quais a VOC, Dutch East India Company -, que a porcelana está disponível em grandes quantidades, se bem que a preços muito elevados. Embora as experiências para descobrir qual o segredo da produção da porcelana tenham começado desde muito cedo no continente, é  só em 1708 que Johann Friedrich Böttger, alquimista alemão sob o protetorado de Augusto II o Forte, Eleitor de Saxe, consegue finalmente acertar a fórmula da porcelana dura, dando lugar, em 1710, à fundação da Fábrica de Porcelana de Meissen. Apos o êxito de Böttger, outros países europeus entraram numa corrida para conseguir obter a cobiçada fórmula, sendo que em poucos anos surgem fábricas de porcelana um pouco por todo o continente (Áustria, França), embora com resultados muito díspares.

 

A produção de Meissen divide-se em várias etapas. Durante a fase inicial de experimentação Meissen segue de perto modelos chineses e japoneses, embora rapidamente comece a conceber desenhos próprios – destacando-se o uso da cor que caracteriza a sua produção – que, curiosamente, serão posteriormente copiados na China para serem exportados para a Europa (movimento torna-viagem).

Um segundo período será conhecido como período Kändler, no qual Johann Joachim Kändler, um dos mais importantes artistas na história de Meissen, dirige os ateliers; durante esta fase abunda o fabrico de pequenas figuras e de grupos protagonizando cenas galantes de grande qualidade que influenciarão a porcelana por toda Europa, cabendo ainda destacar as suas grandes esculturas de animais. Durante a guerra dos Sete Anos (1756-1763), as tropas prussianas ocupam Meissen e apesar da produção de peças ser muito prolífica, estas já não têm o brilho do período anterior o que, juntamente com a mudança de gosto que surge com o Neoclassicismo e o auge da porcelana francesa de Sèvres, dará lugar a que Meissen perca o monopólio estilístico que até então mantinha.

 

Durante o século XIX, muita da produção baseou-se no sucesso prévio, reeditando modelos anteriores dando lugar a um ‘segundo rococó’. Porém, nem todo o fabrico destes anos serão repetições, havendo também lugar a novas e elaboradas criações, de notável execução, tendência que é própria deste período e evidente na peça em destaque da Casa-Museu.

 

garniture da Casa-Museu

Este conjunto de relógio de mesa e dois candelabros pertencente à coleção da Casa-Museu Medeiros e Almeida é obra de Emmerich Andresen, tal como atesta a assinatura – E. Andresen -, gravada na própria porcelana na parte posterior direita do relógio, onde também aparece indicada a data; 1888. As três peças apresentam também a marca de manufatura de Meissen; duas espadas cruzadas em azul sob o vidrado, marca que começa a ser usada em 1722 e cujas pequenas variações permitem uma datação aproximada.

 

Embora inserida no estilo oitocentista de Meissen, com uma linguagem ligada ao rococó e uma ornamentação excessiva, esta garniture sobressai por entre a produção da época pela sua monumentalidade e pelo seu rico programa iconográfico. Como já foi referido, no século XIX era habitual realizar cópias a partir de modelos da época áurea de Meissen, porém este não parece ser o caso, já que habitualmente estas reedições eram marcadas com números incisos que faziam referência ao modelo original reproduzido.

 

O conjunto, profusamente ornamentado, com aplicação de vários tipos de flores e esculturas ricamente policromadas, reservas decorativas e apontamentos em ouro sobre o vidrado, foi pensado para ser visto de frente, estando a parte posterior da peça central, o relógio, completamente desprovida de qualquer tratamento, enquanto nos candelabros, embora trabalhados em todos os lados, também se privilegia a leitura frontal.

 

O relógio

O relógio é composto por três corpos: base, corpo central e uma composição de topo. Na base, semicircular e de cinco pés em forma de enrolamentos vegetalistas, destacam-se sobre fundo carmesim, quatro reservas ovais com pinturas a sépia – baseadas em gravuras por identificar – que representam as quatro estações do ano com grupos de três putti com os respetivos atributos, da esquerda para a direita: o inverno (fogo), o outono (uvas), o verão (espigas de trigo) e a primavera (flores).

 

 

No corpo central, entre concheados e flores, a decoração organiza-se à volta do mostrador do relógio, de numeração romana em esmalte preto e dourado sobre fundo branco com decoração dourada. Na parte inferior, uma reserva retangular representa uma vista panorâmica de Florença, com o rio Arno e a cúpula da catedral de Santa Maria del Fiore em destaque.

 

 

Ladeando o relógio duas figuras: à esquerda uma figura masculina segurando uma tocha – Hefesto (Vulcano), deus da frágua e do fogo, patrono da metalurgia e dos artesãos -, e à direita uma figura feminina seminua, com uma cartela onde aparecem desenhados um esquadro e um compasso – personificação clássica da Arquitetura.

 

 

A composição que encima o conjunto é composta por três figuras femininas seminuas sobre uma nuvem e um arco-íris que representa três irmãs conhecidas como as três Moiras (Fates ou Parcas); divindades que controlam o destino dos mortais e determinam o curso da vida humana. À direita Cloto (Nona), que tece o fio da vida; à esquerda Láquesis (Décima), que puxa o fio da vida; e no centro Átropos (Morte) que segura na sua mão a tesoura com a qual corta o fio da vida.

 

 

Os candelabros
Ambos os candelabros têm uma estrutura similar: base com três pés formados por enrolamentos vegetalistas e três reservas ovais com pinturas em sépia similares às do relógio, com grupos de três putti com atributos relativos às artes e à música; corpo central que se desenvolve à volta de um tronco com decoração floral e figuras alegóricas à volta; e uma parte superior com três braços, cada um dos quais com três lumes, e um grande arranjo de diferentes tipos de flores a rematar a composição.

 

Um dos candelabros representa o ‘Dia e o Trabalho’; à esquerda da composição, o Dia é uma figura feminina de olhos abertos, coroada de raios solares, com um galo a seus pés e à direita, o Trabalho representa-se com um homem com uma bigorna, martelos e uma caixa de joias. No outro candelabro representa-se a ‘Noite e a Boémia’; a Noite é uma figura feminina adormecida, com um manto pela cabeça e coroada com uma lua (partida), com uma coruja aos pés e a Boémia é uma figura masculina segurando uma guitarra e um copo de vinho na mão. Ambos os grupos são acompanhados de dois putti, um na frente e outro na parte de atrás.

 

 

Esta monumental garniture – monumental pelo seu tamanho e pela riqueza do seu programa iconográfico – será provavelmente fruto de uma encomenda específica. É de salientar que, a partir dos modelos para os diversos elementos que compõem o conjunto, se realizaram nos anos seguintes figuras e grupos autónomos, mais de acordo com a produção da altura, como é o caso da ‘Noite’ ou do grupo ‘As três Fates’, que ainda hoje é frequente encontrar à venda em diversos leilões.

 

O autor: Emmerich Andresen

Emmerich Adrian Otfried Andresen, escultor e desenhador de peças de porcelana, nasce em Utersen (Holstein, Alemanha) a 20 de Fevereiro de 1843. Aprendiz de Ernst Gottfried Vivie em Hamburgo entre 1859 e 1863 e, em seguida, de Ernst Hähnel em Dresden onde, posteriormente instala o seu estúdio. A sua obra, expoente do revivalismo rococó da segunda metade do século XIX foi muito apreciada pelo Kaiser Wilhelm I, que, em 1871 compra a estátua com a que Andresen se apresentou pela primeira vez na Exposição de Arte de Berlim. Autor de monumentos públicos, terracotas e porcelanas, participou também na decoração de um dos iates imperiais Hohenzollern (um dos vários iates com este nome usados pelos imperadores alemães entre 1878 e 1918). Entre 1886 e 1902, ano em que morre, dirige os ateliers de escultura da Real Fábrica de Porcelana de Meissen.

 

Proveniência
Esta garniture, o relógio e os dois candelabros de nove lumes, foram adquiridos por António de Medeiros e Almeida em 1971, em local desconhecido, não se conhecendo a sua história anterior.

 

Samantha Coleman-Aller

Casa-Museu Medeiros e Almeida

 

Bibliografia
DUCRET, S., Porcelaine de Saxe et autres manufactures allemandes, Fribourg: Office du Livre, 1962

HONEY, W.B., European Ceramic Art from the end of the Middle Ages to About 1815. A dictionary of Factories, artists, technical terms et cetera, Londres: Faber and Faber, 1952

HONEY, W.B., German Porcelain, Londres: Faber and Faber, 1947

MORLEY-FLETCHER, H., Meissen, Londres: Barrie & Jenkings, 1971

SIGÜENZA MARTÍN, R., La mitología en la porcelana de Meissen, Madrid, Museu Cerralbo, 2008

WALCHA, O., Meissen porcelain, Londres: Studio Vista, 1981

CASTIÑEIRAS GONZÁLEZ, M.A., Introducción al método iconográfico, Barcelona: Ariel, 1998

HALL, J., Dictionary of Subjects and Symbols in Art, Boulder: Westview Press, 2008 (2ª edição)

Autor

Emmerich Andresen (1843-1902) Manufatura Porcelana de Meissen

Local

Meissen, Alemanha

Data

1888

Materiais

Porcelana Relógio, esmalte, latão, vidro

Medidas

Category
Porcelana Europeia