A Casa-Museu possui, na sua coleção de escultura, três placas de alabastro de diferentes locais de produção. Esta peça, proveniente da região de Nottingham, em Inglaterra, representa o tema da Coroação da Virgem. O trabalho de relevo é ligeiro (médio relevo), sendo a figuração de linhas estáticas e alongadas, e o tratamento plástico algo simples e ainda rígido. Trata-se de um típico trabalho inglês, da época medieval.
A composição apresenta ainda vestígios da policromia original, nomeadamente de dourados e vermelhos, e o característico padrão de margaridas de seis pétalas em tons esverdeados na parte inferior, característica que contribui para uma atribuição de datação da peça nos finais do século XIV.
Ao centro, a Virgem Maria apresenta-se sentada, sendo ladeada por duas figuras masculinas elevadas por plintos: Deus Pai à esquerda (segurando o globo terrestre) e Cristo à direita (tendo como elementos iconográficos uma cruz processional e estendendo a mão direita em atitude de bênção). Ambos seguram ao centro a tiara com que coroam a Virgem. Encimando a composição, ao centro, o Espírito Santo, em forma de pomba, participa também na coroação ao segurar com o bico o topo da coroa. A tiara (três coroas), o globo e a cruz são hoje símbolos papais.
O episódio da coroação da Virgem Maria não é mencionado na Bíblia, sendo a sua fonte proveniente de uma obra do Bispo Melitão de Sardes editada no século II e, mais tarde, popularizada por Gregório de Tours (séc. VI), e por Jacques de Voraigne, na popular obra ‘Legenda Dourada’ (séc. XIII).
A Coroação é um episódio inserido no ciclo da Vida da Virgem, podendo fazer parte igualmente da representação das “Sete Alegrias de Nossa Senhora” ou os “Sete Prazeres da Virgem Maria”.
Esta placa formava provavelmente parte de um conjunto maior, um retábulo pintado e dourado com a representação de um conjunto de cenas religiosas, que seria composto por diversas placas, de características similares, enquadradas por uma moldura de madeira trabalhada ao gosto gótico.
Poderia ainda tratar-se de um retábulo singular, destinado à devoção particular; numa época na qual a difusão pelo Ocidente na Europa da moda dos oratórios particulares – potenciada pelo movimento da Devotio Moderna – estava em crescimento, estas placas, de reduzidas dimensões, seriam fáceis de transportar, sem grande perigo de se quebrar, representando a hipótese de o praticante ter a possibilidade de se confrontar com o sagrado no seu espaço íntimo versus a prática da ida à igreja.
Samantha Coleman Aller
Casa-Museu Medeiros e Almeida
Bibliografia:
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CHEETHAM, Francis W., Medieval English Alabaster Carvings in the Castle Museum Nottingham, The City of Nottingham, Art Gallery and Museums Committee, 1962.
CHEETHAM, Francis W., Portugal e os alabastros medievais ingleses, Conferência proferida no MNAA, Lisboa, 1981.
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DIAS, Pedro, Alabastros Medievais Ingleses em Portugal – subsídios para a sua inventariação e estudo-região das Beiras, Separata de Biblos, LV, Coimbra.
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RAMSEY, Nigel, Os alabastros ingleses na Europa, História Artística da Europa – A Idade Média, Tomo II, Lisboa, Quetzal Editores, 1998.
Dissertação de Mestrado:
MESQUITA, Sílvia Monteiro de Sousa; Alabastros Medievais Ingleses nos Museus de Portugal. Universidade Lusíada, Departamento de História da Arte, Lisboa, maio de 2000.
Catálogos de exposições:
Documentação da exposição “Alabastros Medievais Ingleses – Museu do Mosteiro de Santa Maria da Vitória (Batalha)”, junho de 1981.
Catálogo da exposição “Alabastros Medievais Ingleses – colecção do MNAA”, março de 1977.
HOPE, W.H. Sr. John, On the early working of alabaster in England, English Medieval Alabaster Work, Londres, Society of Antiques, 1910.
Autor desconhecido
Séc. XV (início)
Nothingham, Inglaterra
Alabastro e policromia
Alt. 50cm X Larg. 37cm
Nº. Inv. FMA 1301