4 Vasos “romanos” – Destaque em Novembro 2019

Quatro vasos “romanos”

Fábrica de Porcelana Vista Alegre

Portugal, Ílhavo – 1910-17 / 1922-47 (x2) / 1965

Porcelana e biscuit

Dim: FMA 2- A: 43cm x D: 35cm / FMA 4054- A:41cm x D: 34cm

FMA 4055-A:42,5cm x D:34cm / FMA 4056- A: 42cm x D: 34cm

 

 

Conjunto de quatro vasos em forma de campânula invertida, com asas, assentes sobre pé de caneluras (ao qual se fixa por meio de parafuso metálico) e base quadrada, em porcelana decorada por figuras de biscuit, representando cortejo dionisíaco. Inspirados no vaso grego do século I AC em mármore, designado por Borghese.

 

Vaso Borghese – I aC

Executado no final do período helenístico (séc. IIIaC – IaC), o vaso Borghese foi ao longo dos séculos, inspiração para muitas reproduções. Feito em mármore (do Monte Pentélico, junto a Atenas) é decorado por um friso esculpido em baixo-relevo representando um cortejo dionisíaco.

Na origem, é um vaso ornamental de jardim de grandes dimensões, com 1,72m de altura e 1,35m de diâmetro aproximando-se a sua forma dos Kalix krater ou cratera em cálice, grandes vasos usados na Grécia Antiga, para conterem uma mistura de vinho e água.  Neste período os grandes vasos de jardim fabricados em Atenas, por artesãos especializados neste tipo de produção, faziam sucesso nos jardins de Roma, sendo por isso, produzidos e exportados em grande quantidade para esta cidade, reflexo de uma helenização das elites romanas.

A sua redescoberta remonta ao século XVI – 1566, nos jardins de Salústio (historiador, senador e governador da Numídia) amigo próximo de Júlio César, que no final da vida, manda construir em Roma (na colina do Quirinal) uns jardins e casa para onde se retira. Na posse da família Borghese, foi comprado no início do século XIX, por Napoleão ao seu cunhado Camillo Borghese (casado com Paulina Bonaparte irmã do imperador francês) passando a integrar as colecções do Louvre onde actualmente se encontra. Pode conhecê-lo aqui:

https://www.louvre.fr/departments/antiquit%C3%A9s-grecques-%C3%A9trusques-et-romaines/oeuvres-choisies?dep=145&title=borghese&subdep=150

Inúmeras vezes reproduzido ao longo dos séculos, a decoração do vaso representa um cortejo dançante dionisíaco / báquico (ou thiasus) que integra dez personagens: uma ninfa com castanholas, um fauno com duas flautas, uma ninfa com lira, outro fauno, uma ninfa com címbalos, Dioniso, Ariadne, mais dois faunos, um dos quais segura Sileno.

 

Dioniso / Baco

Dioniso era filho de Zeus e Semele e foi educado pelas maenads ou bacantes (que tinham poderes sobrenaturais). Representava a seiva da vida por isso, frequentes festivais / orgias eram organizados em sua honra, durante os quais as bacantes usavam coroas de hera entrelaçada com vinha, dançavam à luz de tochas e ao som de dupla flauta (auloi – flautas de cana cada uma segura em sua mão e tocadas em simultâneo) e pandeireta, agitando varinhas de funcho rematadas por videira e hera – thyrsus.

Os faunos (ou sátiros na Grécia antiga) eram figuras mitológicas, inicialmente representadas meio homem e meio cabra. Com o tempo esta representação evoluiu, surgindo posteriormente (como neste caso) apenas empunhado ao ombro a pele da cabra. Durante os cortejos dionisíacos perseguiam as ninfas (maenads), tendo-se tornado criaturas que integravam o culto e representação báquica / dionisíaca.

No cortejo está também representada Ariadne. Na mitologia grega, Ariadne, era uma princesa, filha de Minos rei de Creta e de Pasifae.  Apaixonou-se por Teseu e ajudou-o a sair do labirinto do Minotauro, fugindo juntos para a ilha de Naxos, onde Teseu a abandonou enquanto dormia. Desesperada ao ver o navio de Teseu afastar-se, chorava até que ouviu uma música trazida pelo vento e viu um alegre cortejo liderado por Dioniso, deus grego do vinho (Baco da mitologia romana). Este foi ter com Ariadne e consolou-a levando-a a esquecer Teseu, tendo ficado noivos. O casamento foi celebrado com grande alegria e Dioniso ofereceu à sua esposa uma coroa de sete estrelas brilhantes, que após a morte dela, atirou aos céus onde ainda pode ser vista como a constelação de Ariadne ou Corona. Depois da morte de Ariadne, Dioniso perdeu toda a alegria, desinteressando-se da música, dança e folia até que Júpiter impressionado pelo seu luto, decidiu restaurar a vida de Ariadne dando-lhe imortalidade e devolvendo-a aos braços do deus.

Há dois tipos de representação principal de Dioniso: a mais antiga na qual o deus surge já de idade avançada, com barba, vestido com panejamentos que lhe cobrem a maior parte do corpo. A outra, mais recente, (como neste caso) surge, gracioso, charmoso, quase efeminado, com cabelo longo de caracóis ou então apanhado ao alto. Aparece nu ou então com uma capa de pele de leão ou de pantera sobre o ombro. Na cabeça apresenta uma coroa de folhas de videira, segurando numa das mãos uma taça de vinho e na outra um bastão (thyrsus) que lhe serve de ceptro.

Sileno tutor e amigo de Dioniso, acompanha-o ao longo da vida, sendo representado frequentemente nos cortejos como uma figura de idade, ébria, que se envolvia com as ninfas. Aqui, aparece inclinado, tentando apanhar um jarro de vinho, sendo ajudado por um fauno que o ampara.

 

Impulsionado pelo interesse pela antiguidade Clássica, o vaso Borghese foi reproduzido inúmeras vezes ao longo do tempo, tal como o vaso Medici

https://www.uffizifirenze.it/il-vaso-medici-degli-uffizi.html

(descoberto na villa Medici, também em Roma, “formando frequentemente um paro”) pelas mais variadas fábricas, mas também, por desenhadores gravadores como no caso de:

1675 – Recueil de dessins d’après l’antique – Jacob Spon

https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b525110000/f11.item

1680 (?) – Receuil de Divers Vases Antiques par Charles Errard Peintre du Roy

https://www.royalacademy.org.uk/art-artists/work-of-art/the-borghese-vase

1693 – Admiranda Romanorum Antiquitatum – ilustrada por Petro Bellorii

https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k3220468/f105.item.r=Admiranda%20Romanorum%20Antiquitatu

https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k3220468/f107.item.r=Admiranda%20Romanorum%20Antiquitatum

Séc. XVII – Jan de Bisschop – Gravura Bailarinos Borghese

http://collections.vam.ac.uk/item/O929349/borghese-dancers-jan-de-bisschop/

1719 – L’Antiquité Expliquée et représentée en figures.  V. 2 – Bernard de Montfaucon https://bibliotheque-numerique.inha.fr/viewer/10981/?offset=#page=289&viewer=picture&o=bookmark&n=0&q=

1713 – Racolta di Vasi Antichi e Moderni Copiati d’agli Originali in Marmi ed in Pitture – Francesco Aquila – https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b8454346q/f7.item

1768 – 1778 – Vasi, candelabri, cippi, sarcofagi … (Vases, candelabra, grave stones, sarcophagi) / Vaso antico di marmo di gran mole che vedesi nel Palazzo della villa Borghese – Giovanni Battista Piranesi -British Museum

1775 – Hubert Robert

https://www.wga.hu/html_m/r/robert/1/vase_bor.html

Terá sido o conhecimento de algum destes álbuns ou desenhos, que levou à criação do vaso / jarra pela Fábrica de Porcelana da Vista Alegre ainda durante o século XIX.

 

Porcelana

A porcelana é constituída por caulino, quartzo e feldspato.  Desconhecido o seu processo de fabrico na Europa até ao início século XVIII, quando Johann Friedrich Böttger (químico) e Ehrenfried Walther von Tschirnhaus (físico e matemático) após inúmeras experiências ao longo de vários anos, introduziram o caulino na composição da pasta de argila e fabricaram pela primeira vez porcelana na Europa, em 1708. Esta descoberta conduziu à fundação da primeira manufactura de porcelana europeia: – Real Manufactura de porcelana Polaca e Eleitoral da Saxónia – no castelo de Albrechstburg em Meissen. A partir desta data progressivamente vão sendo criadas manufacturas por toda a Europa como no caso de Vincennes – Sèvres – início da década de 1740, Capodimonte – 1743, Wedgwood – 1759, Real Fabrica de Porcelana del Buen Retiro – 1760, Fábrica de Porcelana da Vista Alegre – 1824.

A decoração da porcelana pode ser obtida de diversas formas:  pintura sob o vidrado com cores de pigmentos estáveis, como o azul, cozidas a altas temperaturas a c. 1450º, pintura sobre o vidrado cozida a baixa temperatura a c. 1200º, porcelana cozida sem vidrado – biscuit.

 

Vista Alegre

A Fábrica de Porcelana da Vista Alegre foi fundada em 1824 por José Ferreira Pinto Basto, antepassado de Margarida Medeiros e Almeida. É a primeira fábrica de porcelana em Portugal, tendo-se tornado Real Fábrica em 1829. Inicialmente, produz vidro (no qual se destaca o vidro lapidado de grande qualidade) e cerâmica pó de pedra. A produção de vidro cessa em 1880, a partir daí, a fábrica dedicou-se em exclusivo à porcelana, que produzia desde 1832. A existência de jazidas de caulino nas suas redondezas, assim como, a contratação de mestres ceramistas estrangeiros resultou numa produção de sucesso, durante a 2ª metade do século XIX.

Ao contrário, no início do XX a Fábrica de Porcelana da Vista Alegre passa por um período de dificuldades, consequência de contextos políticos e económicos instáveis, aliados a questões internas nomeadamente a desorganização comercial e artística. Tal, só veio a ser revertido no início dos anos 20 com uma actualização estética que acompanhou a Art Déco e o Funcionalismo. Ao longo do tempo, a Fábrica soube adaptar-se à evolução dos mercados, nomeadamente a ter trabalhadores altamente especializados, tendo-se tornado numa das fábricas de referência na produção cerâmica na europeia, passando a exportar para todo o mundo.

Possui o acervo da FMA um grupo de quatro vasos que reproduzem o vaso Borghese, produzidos pela Fábrica de Porcelana da Vista Alegre em períodos diferentes. O mais antigo apresenta a marca da ema, em uso na fábrica entre 1910 e 1917 sob a administração de Gustavo Pinto Basto (a ema integrava o brasão da família Pinto Basto). Existem mais dois exemplares executados entre 1921 -1947 e finalmente, um quarto vaso produzido em de 1965, aquando da comemoração do quarto centenário da fundação da cidade do Rio de Janeiro. Desconhece-se, no entanto, em que circunstâncias estas peças integraram a colecção, à excepção do vaso de 1965 que foi adquirido por 2059$00.

Duas das peças são integralmente brancas, enquanto, as outras duas apresentam uma, fundo azul claro e outra amarelo claro, vidrados. A decoração com figuras em baixo-relevo é em biscuit – porcelana não vidrada. Os vasos apresentam ligeiras diferenças entre si, como as dimensões, que são semelhantes mas, não iguais ou até mesmo decorativas, como no vaso de 1965, cuja decoração foi reproduzida integralmente, faltando nos outros três a figura de Sileno apoiado num fauno a tentar apanhar um jarro do chão. As asas também se adossam ao corpo de forma diversificada, uma vez que, apenas neste caso, surgem mascarões (como no Borghese) e nos outros folhas de acanto.

O modelo começou a ser produzido pela Vista Alegre em data incerta, mas ainda no século XIX, havendo inclusivamente no acervo do museu desta fábrica um desenho que o representa (2ª metade do séc. XIX), foi produzido ao longo de todo o século XX como referenciado nas marcas das peças e documentação da VA, até ao início do século XXI.

Dentro da casa de Medeiros e Almeida assumiram um papel decorativo ao serem usados para colocar flores.

 

NOTA: Agradecemos a informação disponibilizada pelo Museu da Fábrica de Porcelanas da Vista Alegre.

 

Cristina Carvalho

Casa-Museu Medeiros e Almeida

 

 

NOTA: A investigação é um trabalho permanentemente em curso. Caso tenha alguma informação ou queira colocar alguma questão a propósito deste texto, por favor contacte-nos através do correio eletrónico: info@casa-museumedeirosealmeida.pt

 

Bibliografia

OLIVEIRA, Cláudia Sofia Coutinho de – Controlo Estatístico – indústria cerâmica. Mestrado em Química Departamento de Química FCTUC. Universidade de Coimbra, 2012

TRIGO, Joana Sofia Moutinho – A evolução da marca gráfica Vista Alegre no contexto português. Mestrado em Design e Comunicação, ESAD Arte + Design, 2018

Normas de Inventário – Cerâmica . Instituto Português de Museus, 2007

 Webgrafia

https://www.louvre.fr/oeuvre-notices/cratere-en-calice-dit-vase-borghese

https://www.hortisallustiani.it/www.hortisallustiani.it/indexee63.html?ixPageId=101&ixMenuId=103

https://www.meissen.com/en/geschichte

https://vistaalegre.com/pt/t/vaa_AMarca_Historia-1

 

Autor

Fábrica de Porcelana Vista Alegre

Data

1910-17 / 1922-47 (x2) / 1965

Local

Ílhavo, Portugal

Materiais

Porcelana e biscuit

Dimensões

FMA 2 : Alt. 43cm x D. 35cm / FMA 4054: Alt. 41cm x D. 34cm FMA 4055: Alt. 42,5cm x D. 34cm / FMA 4056: Alt. 42cm x D. 34cm

Category
Destaque